O capítulo 25 do Evangelho de Mateus apresenta, por meio de parábolas, a vinda futura do Filho do Homem como Juíz universal e as atitudes adequadas para esperá-lo: a vigilância (
parábola das dez virgens) e o compromisso da caridade (parábola dos talentos e critérios de julgamento das ações).
Comentamos hoje a conhecida parábola dos talentos que, uma vez mais, nos faz penetrar na misteriosa ação de Deus em nossas vidas e na resposta que somos convidados/as a dar.
Centremos, inicialmente, nossa atenção no homem que entrega aos servos os talentos: ao viajar, ele distribui os bens que possui e que perfazem uma fortuna considerável, se levarmos em conta que cada talento correspondia a cerca de 2kg de ouro.
Confia, portanto, em seus empregados e está perfeitamente a par de suas capacidades, já que entrega a cada um deles, quantias que, a seu juízo, poderão administrar.
A esta altura, podemos perguntar-nos: Que pessoas nos têm confiado seus bens, suas riquezas, seus temores, suas aspirações? Temos sido objeto de confiança ou de indiferença, se não de desconfiança?
Tomara que ninguém esqueça de colocar nessa lista a nosso bom Deus! Porque, ao conceder-nos o dom da vida, entregou-nos também a incomensurável riqueza da sua própria Vida, em Jesus Cristo, seu Filho, de cuja plenitude “recebemos, graça sobre graça” (Jo 1,18).
E conferindo-nos “o poder de nos tornarmos seus filhos” (Jo 1,12), deu-nos tudo de que precisamos para sermos seus fiéis colaboradores/as em seu Projeto de Vida, em abundância.
Achou, portanto, dignos/as, todos/as nós, seres humanos, de sermos depositários de seu Espírito de Amor que em cada um/a se expressa de forma única e original, embora seja o “único e mesmo Espírito que o realiza, concedendo a cada um diversos dons pessoais segundo a sua vontade” (1 Cor 12, 11).
O fato de confiar a uns mais e a outros menos talentos não significa amar a uns mais que a outros: uma parábola deve ser considerada, não em suas particularidades, mas como um todo e dentro do contexto geral do Evangelho.
O que importa é a mensagem que ela quer transmitir. Deus nos ama a todos/as incondicionalmente. E as diversas quantidades de talentos distribuídos sublinha a idéia de que somos diferentes, devendo, por isso mesmo, complementar-nos, como bem nos ensina Paulo a respeito da diversidade dos dons e dos carismas (cf 1 Cor 12).
Ou seja, o problema não está no número maior ou menor dos talentos recebidos, mas no que deles e com eles fazemos. Como cooperamos, porém, na construção do Reino de Deus? Capacitando-nos devidamente para servir ao Reino ou encerrando-nos em nós mesmos, enterrando por medo, preguiça ou vergonma os dons com que fomos distinguidos?
Reconheço-me como alguém agraciado por Deus? Com que dons? Que faz esse Amor por mim e que faço eu por esse Amor infinito e gratuito?
Vamos adiante e consideremos o diálogo entre o patrão que está de volta e os empregados que lhe prestam contas. Chama a atenção que os dois primeiros devolvem o dobro do recebido.
Quer dizer lograram rendimento total dentro de suas possibilidades, fizeram com que a graça recebida frutificasse plenamente e que o Reino, de fato, acontecesse.
Uma vez mais, Jesus nos lembra que Deus não supre a nossa liberdade nem dela prescinde, mas conta com a nossa total disponibilidade. Em razão de sua operosidade, os dois são largamente recompensados: “ Como você foi fiel na administração de tão pouco, eu lhe confiarei muito mais. Venha participar da minha alegria”.
Pela parábola, Mateus nos apresenta um Deus feliz e alegre que recompensa homens e mulheres, tornando-os partícipes de sua festa que começa na terra e culmina na eternidade. Podemos, assim, dizer que, com nossa liberdade, construímos nossa eternidade.
Qual tem sido o rendimento das riquezas pessoais que Deus nos concedeu ao longo da vida?
Detenhamo-nos, um instante, na justificativa que o terceiro empregado alega para sua conduta. Começa por ocultar o real motivo de seu fracasso, desculpando-se com o fato de que o patrão, sabidamente, é muito exigente.
Mas a verdade é que o medo de arriscar paralisou-o, levando-o a ocultar numa cova o talento recebido. Ora, amar é arriscar-se, expor-se, estar disposto a dar a vida, não omitir-se!
D. Pedro Casaldáliga descreve bem a opção deste terceirto empregado ao afirmar que “o contrário do amor não é, como muitas vezes se pensa, o ódio, mas, sim, o medo de amar e o medo de ser livre”.
Na opção de não amar, manifesta-se um pecado inconfessável, muitas vezes, e inconfessado: o pecado de omissão. Para seguir Jesus não basta não fazer o mal: é necessário fazer o bem, amar operosamente, seja qual for a circunstância!
Ao partilhar conosco sua causa e seu Reino, Deus nos convida a sermos, não meros expectadores, mas protagonistas com Ele, fazendo nossa a sua proposta. Quem a julga arriscada demais, enterra o seu talento... mas perde o Reino!
Também me é dirigido o convite a dispor livremente de minha vida a serviço de Deus e do próximo. Qual é a minha resposta? Fonte: Unisinos